Terminou o Verão e guardei as recordações de uma paisagem de mar e tu ao meu lado. Gostava de saber escrever poesia para te fazer um poema. Havería de contar sobre as minhas lágrimas como diamantes ou qualquer outra coisa bonita como os poetas sabem dizê-lo. Só para te oferecer. Tomara que o Outono te traga de volta a mim. Escrevería um hino.
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A vida tornou-se mais fácil. Para além do que me lembro, tenho a tua voz presente, o saber a que sabe o teu beijo, o saber a que cheiras, o calor das tuas mãos a prender a minha. São presentes, são segredos. Tenho dias que sou feliz apenas com isto. Outros, digo-me que mereço mais. E vou empurrando o tempo em doses de sim e não até encontrar-te de novo.
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Descubro-me a achar o teu cheiro em toda a parte e fico doida a procurar-te. Rodo à volta de mim, das minhas mãos, dos meus braços, fico tonta de tanto girar à volta do que me cerca e não te vejo. O meu nariz prega partidas como se te escondesses de mim só para me pôr à prova. Não esqueci a que cheiras.
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Cheiro a minha mão, os dedos, o pulso, a minha mão direita cheira a ti, a minha mão direita não tem o cheiro da minha mão esquerda. A minha mão esquerda cheira a mim e esta, a que tu tiveste entre as tuas mãos e beijaste cheira a ti. Deixaste-me um pedacinho de ti na minha mão. Não foi só um beijo, não foram só os teus olhos nos meus olhos e o meu riso parvo, foi o teu cheiro agarrado à minha pele. O sonho que eu tive era o aviso do que ía acontecer, sei-o.
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Um beijo na minha mão e foste-te. Mais um sorriso. Não te viraste. Eu fiquei. Nem um passo conseguía dar e o mundo abría-se para me engolir. É mesmo verdade o que aconteceu ou foi mais um dos meus sonhos?
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Seguraste-me a mão, a direita. A mão direita entre as tuas. Não me lembro do que disseste, não o consegui ouvir, vejo os teus lábios a mexer mas não consigo ouvir o que dizes, tudo roda à minha volta e ouço um zumbido que aumenta e cobre todos os outros sons. Fala mais alto que não entendo o que dizes, só sinto a minha mão direita entre as tuas mas também não consigo olhar para ela, estou presa aos teus olhos e tudo anda tão devagar como se fosse um filme passado em câmara lenta.
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Agora que estavas tão perto eu só quería fugir! Que vergonha! As pernas tremíam-me, as mãos suadas como água bebida por elas, e o riso a saír como uma tonta. A boca não conseguía dizer nada, só o riso ocupava o sitio das palavras e por mais que eu tentasse não conseguía, não conseguía. Tu olhavas para mim e sorrías, quase benevolente, sorrías com compaixão por esta pateta alegre. E de cada vez que nos encontramos é assim: choro e rio sem dizer que te amo.
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Onde as esquinas se encontram assim batemos nós. Um no outro sem nos procurarmos. Pelo menos tu, que não me buscas de certeza pela certeza da minha inexistência e eu, que nesse dia não te pensava por ali. Batemos coração com coração e os teus olhos sorriram primeiro que a boca e a minha boca riu ao mesmo tempo que os olhos. E tu disseste a menina que olha o mar e chora quando o vê. Afinal recordas-te de mim.
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Sabendo da minha perdição por ti escusam-se a falar-me de ti, de amor, de todas as coisas que me possam levar à lembrança do que tu és. Pobres coitados que me pensam como pobre coitada. Nunca me sais, és sempre tudo o que respiro, o que sou. Muito menos são eles que se evitam à dor na esperança de escaparam à flecha do amor verdadeiro. Não eu, eu dou o meu peito e sorrio.
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Sonhei contigo. Não falaste, apenas te abeiraste de mim, seguraste o meu rosto, muito perto. Senti-me a queimar por dentro, quase envergonhada por saberes o quanto te quero. Tocaste os meus lábios com a ponta dos dedos. Não fechei os olhos. Lembro-me de lembrar que era um sonho. Beijaste-me. Ficou tudo branco. Acordei. Nunca me tinhas beijado, nunca, nunca. Nem me consigo mexer com medo de esquecer.
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©opyright Escritos Nefastos, Maria Manuel Gonzaga, 2009-2016