Bastou ver a tua figura ao longe para o coração desprender-se da minha vontade. Toda a determinação fugiu, esqueci-a, voltei a amar-te ainda mais forte logo ali naquele instante. À medida que chegava perto de ti todo o cenário se diluía sem importância alguma, só tu, só tu e o meu ver-te. Sorriste, achei que era para mim, senti coragem para te falar. Mas tu não me ouviste, quem te fazía despertar era quem vinha atrás de mim. Não eu, nunca eu.
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Sinto-me forte. Curada. Não me afectas mais, não te tenho mais nada para além de pensar como é que um dia fui capaz de sentir o que senti por ti. Que nem sei mais o que foi. Pensei que fosse amor mas não deve ter sido pois dizem que o amor é para toda a vida e não passa, é como uma doença incurável. E eu estou curada, de um dia para o outro não sinto nada por ti. Só não sei como explicar este vazio que me tomou o peito. Ser forte é sentir vazio?
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Se contar todos os canteiros floridos deste caminho e der número par já sei que te encontro; se a soma for ímpar hoje não te vejo. Invento jogos tontos que só eu percebo, acho que assim desafio a sorte, tudo me é sinal da tua proximidade, da tua distância. São enganos que me satisfazem, são acasos que me fazem sentir pequenina, invisivel. Servem para distraír a verdade, tu não me vês.
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Tu ali à minha frente. A falares comigo. Não sei o que me disseste, não consigo lembrar-me. Mas tenho a certeza que aconteceu. E recordo-me que tentei ser engraçada, espirituosa, desembaraçada, sobressaír entre as outras pessoas que também estavam presentes. E o que me ficou foi a figura estúpida que fiz, uma tontinha, pateta alegre. Tanto que esperei por aquele instante e desperdicei-o. Agora é que foi mesmo o fim. Do que nunca começou.
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Fui à tua procura, passei pelos sitios e caminhos onde sei que costumas estar. Nada, não te encontrei, ninguém sabía de ti. Não me incomodei que ficassem a pensar que interesse possa eu ter em ti, hoje estou corajosa, decidida a que notes que eu existo. Já que não me atravessei no teu caminho, ao menos que te vão contar que quis saber de ti. Talvez te perguntes quem sou eu, faças um esforço para avivar o meu rosto na tua lembrança, aches estranho uma desconhecida procurar-te. Sempre é melhor que nem dares por mim.
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Já dei comigo a pensar que és uma benção na minha vida. Isto nos instantes em que olhas para mim e até parece que me vês. Mas também já amaldiçoei todo este amor que te tenho e me consome dia e noite. Isto nos instantes em que olhas para mim e o fazes de raspão, muito educado, mas sem prestares atenção alguma ao que os meus olhos te gritam. O que eu gostava mesmo é que a metade de mim que está enfeitiçada ordenasse à outra encantada que se esquecesse de ti. Mas entre um feitiço e uma magia, que diferença existe para o amor?
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Finjo que és o meu homem e foste para longe. Escrevo-te. Digo-te aquelas coisas todas que se dizem nas cartas, a saúde, os desejos de te encontrares bem, as saudades de nos voltarmos a reencontrar. Quando chego à parte final, a do beijo, é que tomo consciência que por cada carta que te possa escrever, se tu fosses o meu homem, outra de ti recebería. E aí não sei levar o meu fingir para tão longe.
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©opyright Escritos Nefastos, Maria Manuel Gonzaga, 2009-2016