O dia está tão bonito, o céu tão liso que quase tenho medo de saír à rua. Medo de me sentir feliz com o sol, claridades a inundarem-me na esperança. Medo de ter esperança. Porque sei que não aguento voltar a sentir, ter veias e doer-me nos braços a vontade de um abraço. Medo de querer de novo e nada alcançar, tudo se repetir como os caminhos que os meus passos comandam sem ser à minha voz. Que medo que dá ver um dia tão escandalosamente belo.
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Pensei no meu coração enterrado junto ao banco do jardim. Levei-lhe flores. Talvez assim, quando de novo te encontrar, o meu sorriso se lembre destas flores deixadas em peregrinação. Talvez recupere a voz na oração que não soube fazer e te chame. Talvez haja tempo de esperar pelas lágrimas do reencontro e alimente a terra onde seca uma parte de mim.
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Se tivesse tido força tinha aberto a boca, chamado por ti, mostrava-te o meu sorriso. E desse vislumbre do teu, o meu regar-se-ia como flores que renascem sedentas quando aparentam ter murchado. Fiquei por lá, parada, sem nada na garganta que me impelisse o som, os lábios desenhados na vontade, mas o viço não despontou sequer um botão.
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©opyright Escritos Nefastos, Maria Manuel Gonzaga, 2009-2016