Perguntaram-me porque não sorrio. Não sei. Perguntaram-me porque não choro. Não sei. Perguntaram-me então, porque não me zangava, saía e barafustava pela injustiça do que me tinha acontecido. Não me lembro de nada. Disseram-me então, que era tempo de achar um novo amor, que o meu coração era bom e que merecia ser feliz. Não sei de quem falavam.
.../...
Estive a olhar de longe o jardim, o banco e foi como se admirasse uma pintura. A árvore, completamente despida enfeita de um jeito macabro o sitio onde enterrei o coração. Mas não me dói, não me diz nada. Apenas assisto como se eu fosse uma visitante num museu, ao longe uma bela pintura. Sigo o meu caminho, outros quadros a ver, nada me prende em especial para além de bonito ou feio.
.../...
Não me lembro de mim há um ano. Porventura passaram cem, mil, uma eternidade. Não por que peça para me lembrar de mim, do amor que lhe sentía. Não. Lembrei-me de mim como quando nos sentamos à beira da cama a revisitar velhos álbuns de fotografias esquecidas pelo tempo e exclamamos que não tínhamos memória daqueles dias. Só que dele nem sequer tenho um retrato.
.../...
Com o coração esquecido despertaram-me os outros sentidos. Afinal o sexto era o amor. Esta descoberta antes não a tivesse feito, a descoberta dos cinco antes a tivesse mantido no que sempre fora, que os olhos vêem mais agora, as mãos sentem mais a solidão e o gosto amargo dos lábios a beberem as lágrimas aperta o quarto numa míngua ruinosa que ensurdece o silêncio de não escutar o coração.
.../...
©opyright Escritos Nefastos, Maria Manuel Gonzaga, 2009-2016