Não sei se eras tu ou se o sol de frente me enganou. O meu coração bateu tão rápido, mais rápido que as minhas pernas puderam acompanhar a corrida que tentei fazer para te alcançar. Não cheguei a tempo, não consegui ter a certeza. Mas a esperança de saber-te perto libertou a recordação de todos os sentires aprisionados e mesmo não sendo tu, que importa agora? Já sei onde te procurar no meu peito.
.../...
Voltei ao mar, lembro-me de aqui ter estado e tu também, não foi um sonho, tu tocaste-me. Quero segurar esta memória como os teus dedos agarraram aquela lágrima. Foi de verdade. Volto ao mar, à sua imensidão e beleza e fico tranquila por sentir que me dói aqui no coração lembrar-me de ti naquele dia. Afinal ainda dói. Não é como as mulheres disseram, que tudo passa. O vento suave levou o meu chapéu. Mas tenho a certeza que foste tu a soprar.
.../...
Venho para a rua passado tanto tempo. Não sei andar. Não sei descobrir os caminhos de outrora onde caminhava sobre os teus passos e os meus passos decalcavam as tuas passadas sobrando tamanho. Estou perdida. Rodo na procura de um cheiro familiar que me traga o despertar de coisas que me digam que és tu e nada. Tudo me é novo porque tudo me cheira a coisa velha. Sem ti.
.../...
Tudo passa, tudo, dizem-me. Deve ser certo, ou não haveríam mulheres. Mas eu devo ser aquela que mais amou em todo o universo. Não vejo outra que tal condenação lhe tenha caído em cima. E no entanto, não me acho mal por isso. Rara, apenas. Quisera eu ser apenas mais uma de todas as outras mulheres que se passeiam no mundo e isso sería sinal de que tu estarías a meu lado.
.../...
Contam-me histórias para me entreter enquanto me acho de cama. Não sei quem lhes disse que as quero ouvir. Já tenho a minha, melhor que todas essas que inventam. Ocupam-me o tempo enquanto eu as desocupo de outras obrigações. São todas mulheres, e todas elas contam histórias com finais felizes. Como se eu acreditasse. Creio bem, que elas já passaram por aquilo que eu agora passo, e alguém lhes fez o mesmo que elas a mim agora me fazem. Por isso sabem do logro.
.../...
Não sei que tenho mas não tenho força. Dizem-me que estou doente mas não me acham doença. Se te encontrarem eu nada direi.
.../...
Durmo. Creio que durmo, devo sonhar pois que te vejo e se assim não fosse estaría acordada. De que outra forma estarías junto a mim, se tanto te apartas, se tanto andas no outro lado do passeio, do outro lado do mar como poderías agora, aqui no meu quarto estar junto a mim e na beira da minha cama, tão próximo, tão perto te sinto que quase és lume onde me queimo.
.../...
Perguntam-me que tenho eu, tão magra, de olhos tão dentro e peito murcho, as mãos como linhas arrancadas de roupa velha. Tenho vergonha da verdade, não posso responder. Faço de conta que sorrio mas já foi há tanto tempo que sorri que todos me olhem com pesar e tristes, abraçam-me como se se despedissem de mim.
.../...
Desde aquele dia que os teus dedos tocaram na minha pele, que nada sinto. Não por não querer ou desejar. Que se falasse de desejo, a morte tería vindo calma, de passos miudos e ter-se-ía sentado a meu lado depois de teres ido com ela, mãos dadas, de novo a minha inexistência como presença total.
.../...
Ver o mar dá-me vontade de entrar nele e perder-me. Era assim que eu estava quando te chegaste a mim e me tocaste no ombro. Pensei que sonhava, que não eras tu, que talvez por o querer muito e o sol me batesse nos olhos, eu tivesse inventado que eras tu que te aproximavas. Perguntaste-me porque razão eu chorava e eu não disse nada. Sentaste-te a meu lado e falaste do mar, como gostavas de o olhar e de te perderes na sua imensidão. De como uma menina bonita como eu não devería chorar, limpaste-me as lágrimas com a ponta dos dedos, desejaste-me boa sorte e partiste com ela que entretanto chegara.
.../...
©opyright Escritos Nefastos, Maria Manuel Gonzaga, 2009-2016