Por vezes pergunto-me se o que sinto por ti é tão forte só porque não foi realizado. Se de facto soubesses em que conta te tenho, e me amasses e estivessemos os dois juntos sería assim uma coisa tão grandiosa? Este platónico amor, esta dor que aspira pelo desconhecer que tens de mim, transformar-se-ía numa banalidade, chamada de amor igual ao dos outros? Faço estas perguntas para saciar a minha intranquilidade. E cada vez a sede de ti aumenta como o peregrino perdido no deserto.
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Às vezes sonho contigo. Sonhos bons em que conversamos, te confessas apaixonado ou não dizes nada. Acabam sempre da mesma maneira: Tu a abraçares-me forte pela cintura, as nossas bocas muito próximo, sei que me vais beijar, fecho os olhos para guardar esse instante... E acordo. Deixo-me ficar de olhos fechados a saborear o que me pareceu ter sido tão real. Mesmo que no sonho nunca me chegues a beijar. Fico feliz por um bocado e depois só me apetece chorar.
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Não estava nada à espera de te encontrar! Que susto! E eu tão mal vestida, tão mal preparada para este destino súbito que nos cruzou. Suei, senti a água do meu corpo a saír como se tivessem aberto um carreiro para alagar um campo de cultivo. Apenas me cumprimentaste. Socialmente. Como convém a duas pessoas que se conhecem de ver. Se tu soubesses da nossa intimidade!
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Em dias de sol imagino-nos juntos, uma vida a dois, aquela cumplicidade dos grandes amores. Consigo pôr-te palavras na boca, respostas às perguntas que te faço, é a tua voz a corresponder à minha numa ligação perfeita sem interferências, sem ruídos que afectem a melodia do dia. Depois, conforme o sol vai baixando assim a minha onda de pequena felicidade se vai. E de tanto sonhar parece que só me resta uma poça de águas paradas.
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Quando te vejo e me aproximo de ti, faço-me anunciada e sorrio e tu alargas os lábios a fingir que é um sorriso também, a fingir que és cortês e educado, que me prestaste atenção, o meu coração tinge-se de um ódio maior do que o amor que te tenho. Afasto-me, arranjo-te defeitos e maldades, detesto-me.
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Dedico solenemente todas as coisas bonitas que vejo e que faço a ti. Uma espécie de oferenda aos deuses para te conquistar a graça, o pensamento. Sei bem que isto é uma estupidez, nunca deves ter pensado em mim mas depois aplaco a minha insegurança dizendo-me que os deuses são mesmo assim, parecem nunca notar a presença dos mortais. Bem mortal sou eu pois por ti, acho que morro.
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Tenho dias e dias de não me conseguir concentrar porque só te vejo à minha frente. Uma ilusão que me faz atravessar a rua a correr sem reparar nos carros que passam, apitam e me chamam louca. Quando chego ao lado do passeio onde estás não estás. De outras vezes esforço-me tanto por te recordar a cara, os movimentos, o som da voz e nada me chega. É sempre uma alucinação sem meio-termo.
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É à noite que me perco em deambulações sobre os teus beijos, como serão os teus beijos, como reage a minha boca à tua, se beijas longo, molhado, apertado, se me agarras no pescoço, se beijas de olhos fechados ou a olhares para mim. Imagino isso tudo. Nunca nos beijámos, nem no rosto e mesmo assim sinto saudades do que nunca provei.
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©opyright Escritos Nefastos, Maria Manuel Gonzaga, 2009-2016